A dengue tem vacina!
Por Dr. Dorian Domingues | CRMMG 22323
PARTE 1) ERA UMA VEZ : O AEDES É O BICHO!
Era uma vez um mosquito chamado Aedes aegypti, que vivia feliz em sua terra natal na África (principalmente no Cairo, Egito, porque era um grande porto e o Aedes gosta de gente). Estava tudo bem até ele entrar de gaiato no navio (as caravelas das Grandes Navegações) rumo às recém-descobertas Américas a partir do século XVI.
As pessoas estranharam a mudança de ambiente, mas o Aedes rapidamente se esqueceu das pirâmides e dos faraós e se sentiu em casa. O clima quente e extremamente úmido desaconselhava o uso de roupas, e o mosquito encarou aqueles nativos e colonizadores praticamente nus como um convite a um banquete, e se esbaldou. Cresceu, se multiplicou, sua descendência prosperou, e assim se passaram muitos e muitos anos.
No começo, a febre amarela era a principal doença transmitida pelo Aedes, mas sobre isso já escrevemos (leia aqui).
Os primeiros relatos de dengue no Brasil datam do final do século XIX, mas o primeiro registro laboratorialmente confirmado do vírus no país aconteceu em 1981-1982, em Boa Vista (RR). Depois, em 1986, houve breves epidemias no Rio de Janeiro e em algumas capitais do Nordeste, entre elas Salvador. Não por acaso as duas primeiras capitais do Brasil e grandes destinos turísticos (Carnaval, praias, etc.), as mesmas onde a febre amarela também havia feito estragos.
Daí pra frente a coisa explodiu, e virou o que sabemos. A dengue faz parte da paisagem como os engarrafamentos, os buracos e os flanelinhas. A questão não é saber “se”, mas “quando” você vai se deparar com ela. Mas, afinal, o que é a dengue?
PARTE 2) DENGUE: QUE BICHO É ESSE?
A dengue é uma doença infecciosa provocada por um arbovírus e transmitida pela picada do Aedes aegypti. Existem quatro sorotipos de vírus da dengue, e a infecção por um deles não imuniza contra os outros, pelo contrário, a reinfecção (= pegar de novo) é de altíssimo risco, como você vai ler (eu espero!) abaixo.
Todo mundo que pegou fala invariavelmente a mesma frase: “foi a pior coisa que eu já tive”. Os relatos são tipo “eu estava esperando o ônibus/ no supermercado/ no trabalho/ no clube e de uma hora pra outra comecei a ficar doente”. Muita febre e muita dor em tudo (cabeça, corpo, olhos, abdominal – os índios chamam a dengue de “febre quebra-ossos”). Prostração, fraqueza, vômitos, diarreia e perda do apetite (e de qualquer forma de vontade, dizem os acometidos) também são sintomas comuns.
Nessa primeira fase, a pessoa não tem anticorpos, e os vírus se divertem. É o dia da Caça, e vai rolar a festa, vai rolar. Felizmente, a festa dura pouco (pra quem não é afetado): após aproximadamente cinco dias o corpo já produz anticorpos em quantidade suficiente para debelar a infecção em grau significante, e os sintomas retrocedem. Ufa, a festa acabou, que bom… mas só que não!
Daí, chega a Cura, prepara, que agora é hora: o corpo produz anticorpos. É o dia do Caçador. Só que ele chega atirando pra todo lado. Como há vírus (ou fragmentos deles) em toda parte, o tiroteio é grande. E os estragos disso são comparáveis à passagem dos Vingadores “salvando” Nova York.
Além da coceira (descrita como incoçável, perdão pelo neologismo), vêm as complicações.
A intensa reação inflamatória provocada pelos vírus da dengue e pela reação desenfreada do sistema imunológico resulta numa agressão ao nosso próprio corpo, com lesão de vários órgãos através de uma vasculite generalizada (processo inflamatório dos vasos sanguíneos), inclusive com destruição das plaquetas e sangramentos de variados graus, desde minúsculos (as pintinhas na pele, as petéquias) até difusas, com hemorragias incontroláveis. Nos casos graves, há várias complicações resultantes dessa inflamação geral, e muitas vezes ocorre o óbito. Daí as tristes estatísticas dos noticiários.
Em qualquer uma das fases, é sempre importante a hidratação, e é pesada: aproximadamente 70 ml de líquidos por kg de peso por dia, para “diluir” a inflamação e evitar problemas renais. Isso dá em média 5l para um homem adulto, aproximadamente 2x a média diária, o que é água que não acaba mais. E não é fácil manter essa disciplina (com as crianças é ainda pior, porque elas não entendem).
Alguns remédios são contra-indicados (AAS e antiinflamatórios). Mas não vou exaurir o assunto, senão esse artigo não termina. Consulte o seu médico (e não o Dr Google).
Para evitar ser picado, o negócio é andar vestido com roupas longas (falar é fácil…), usar ventiladores e repelentes, e acabar com os criadouros (vasos, pneus, acúmulos de água parada em geral). Você pode se proteger, mas se olhar pro lado vai ver que uma andorinha voando sozinha não faz verão. Se não houver uma ampla conscientização, não rola. Cuidemo-nos um por todos, ou morreremos todos por um!
E atenção para a notícia pouco divulgada: a dengue TEM vacina!
A vacina contra dengue (DENGVAXIA®) é indicada para pessoas acima de nove anos (sem limite superior de idade) . Atua contra os quatro tipos de vírus da dengue, mas não confere 100% de imunidade contra eles (em média, ~74% de proteção). Contudo, tem uma grande eficácia na prevenção da forma grave (=hemorrágica) da doença, que é o que realmente importa.
Por uma limitação do Ministério da Saúde a vacina só deve ser aplicada em quem já teve dengue pelo menos uma vez. A reinfecção (=pegar de novo) nesses pacientes seria de altíssimo risco, e a vacina é e melhor proteção. Longe de ser a ideal, é a que temos.
A excelente e promissora vacina em estudos da Fundação Oswaldo Cruz, que seria 100% eficaz contra os quatro sorotipos e em dose única, dorme deitada eternamente em berço esplêndido na escuridão de uma gaveta à espera de verbas para pesquisa científica na FIOCRUZ. E não parece haver príncipe encantado no futuro próximo que a brinde com seu dote orçamentário.
Informe-se mais com o seu médico e termine essa história com um final feliz. Vacinas são sempre legais!
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